MEMÓRIAS DA TIA MAURA
No ano de 1800, mais ou menos, vários portugueses vieram de Portugal para o Brasil para a colonização do país.
Gonçalo Ferreira Leite foi agraciado com uma sesmaria em Pernambuco, na divisa com o Ceará. Essas terras transformaram-se em uma grande fazenda com gado e cana de açúcar, com mão de obra de trezentos escravos, que eram comprados para serviços gerais. Então, Gonçalo Ferreira Leite transformou-se em “Senhor de Engenho”. Era casado com Maria Barros Câmara, tiveram muitos filhos. Como eles eram ricos, enviaram os filhos para estudar no Recife, capital de Pernambuco, porque só no Recife havia escolas.
Os filhos, quando terminavam o aprendizado nas escolas, voltavam para a fazenda, casando, tendo filhos.
Um de seus filhos, chamado Pedro, casou-se e teve vários filhos: Isidoro, Manoel, João, Pedro, Paulo, Maria e Gonçalo, que nasceu em 1881 em um vilarejo chamado Pajeú de Flores.
Em 1888 veio a Abolição dos Escravos e a fazenda passou pela crise da mão de obra. Os fazendeiros tinham dificuldade de manter a lavoura, então o “Sinhô” Gonçalo tirou os filhos da escola do Recife, onde estavam estudando, por economia. Precisava da ajuda dos filhos, mas estes não entendiam nada de lavoura, só sabiam andar a cavalo.
Gançalo Ferreira Leite (neto) lembra que, quando tinha seis anos, tinha um escravo que lavava os seus pés antes de ir para a cama dormir.
Depois da abolição ainda restaram escravos que passaram a ser contratados como empregados, porém livres.
A “Sinhá” Maria Barros Câmara era de uma família que tinha muitos padres. Ela dava dinheiro para eles guardarem e alguns potes de dinheiro ela enterrava para que ninguém soubesse o seu esconderijo. Mas... um dos escravos sabia desse truque da “Sinhá” e um dia... matou o “sinhozinho” para se apoderar da fortuna escondida. A polícia foi notificada e veio para a fazenda apurar o homicídio conseguindo prender o criminoso.
A viuva “Sinhá” fez justiça com as próprias mãos, o que era aceitável pelos costumes daquela época. Mandou amarrar em um tronco de árvore todos os familiares do criminoso e açoitou-os até morrerem.
Alguns anos se passaram a fazenda estava no abandono, mas a senzala onde viviam os escravos ainda se conservava. Havia muitas redes de dormir abandonadas e o Gonçalo Ferreira Leite (neto) “meu pai”, resolveu pernoitar uma noite em uma rede da senzala, a espera da vó Maria dizer a ele onde estava o dinheiro enterrado. De repente, ele viu uma mão passar por cima da rede; seu cabelo se arrepiou... ele não perguntou nada...
Abandonaram a fazenda. Pedro veio morar na cidade de Palmares com os filhos: Pedro, Paulo, João, Isidoro, Manoel, Gonçalo e Maria, esta irmã que se tornou professora para ensinar os irmãos a ler.
Nesse meio tempo a família Ferreira Leite foi envolvida na justiça por crimes praticados na região e Pedro Ferreira Leite resolveu mudar o sobrenome da família pelo sobrenome da avó Maria de Barros Câmara, que era conceituada por ser da família de padres. Assim, todos os filhos de Pedro Ferreira Leite passaram a assinar o sobrenome da avó paterna, tirando o Leite e colocando o Barros. Deste dia em diante toda a família passou a assinar Ferreira Barros.
A guerra de CANUDOS estava no auge em 1896 e dois irmãos de Gonçalo foram chamados pelo Exército para lutar contra os jagunços de Antônio Conselheiro “o revoltoso”. Gonçalo, então com dezesseis anos, também resolveu se alistar, entusiasmado com a nova aventura e para se juntar aos irmãos. Então mentiu que tinha 18 anos para ser aceito e poder participar da guerra contra Antônio Conselheiro. Alistou-se no Exército e participou dos combates finais que determinaram o fim de Canudos.
Após o fim da guerra dos Canudos, continuou no Exército e foi designado para guarnecer as fronteiras do Amazonas e Acre. Participou dos episódios da independência do Acre comandada por Plácido de Castro, quando o Acre foi integrado ao Brasil. Ficou por algum tempo servindo nas fronteiras.
Muitos soldados eram atacados por “beriberi”, uma doença que provoca inchaço nas pernas e ataca o equilíbrio do andar.
Os doentes de “beribéri” eram transportados para o Rio de Janeiro para que pudessem ser tratados em um hospital. Um navio de transporte que ia para o Rio de Janeiro estava levando os soldados atacados pela doença. Um colega e amigo de Gonçalo disse a ele que queria fugir da situação em que estava e decidira colocar sal nas botas que calçava para inchar os pés e as pernas simulando os sintomas de beribéri. Fizeram um teste... e deu certo, os pés e as pernas incharam e então foram considerados doentes e levados pelo navio com os demais atacados de beribéri, para o hospital do Rio de Janeiro. Gonçalo saindo do hospital engajou-se no Exército na arma de Cavalaria porque estava acostumado a cavalgar desde menino na fazenda.
Ficou alguns anos no Rio de Janeiro, quando terminou o prazo para dar baixa no Exército. Como era aventureiro, decidiu conhecer o Estado de São Paulo.
Chegando em São Paulo, alistou-se no Batalhão de Infantaria da Força Pública de São Paulo e foi escalado para prestar serviço em Pirassununga, cidade onde morava Pedro Tralbach e família. Por intermédio de um cunhado da Suzana, começou a freqüentar a casa de Pedro Tralbach mas com a finalidade de conquistar aquela “Alemoa” jovem e bonita de olhos azuis... Mas a Suzana não estava a fim de namorar o Gonçalo, achava-o baixinho. Equilibrava com ela na mesma altura.
Mas o Gonçalo não desanimou, usou uma estratégia... começou a conquistar o futuro sogro, presenteando-o com caixas de cerveja, que era o fraco do alemão.
Um dia Pedro Tralbach disse à Suzana.
- Por que você não casa com o Gonçalo ? É um moço muito educado e cortês !
Em quatro de dezembro de 1909 na Igreja Matriz de Pirassununga Gonçalo Ferreira Barros e Suzana Tralbach se tornaram marido e mulher e mobiliaram a casa com sofás e poltronas de vime, que não era costume de gente de classe média.
Suzana ficou grávida por duas vezes, sem êxito, pois abortava antes de completar os nove meses.
Em 1912 nasceu o seu primeiro filho aos sete meses de gestação, portanto prematuro. Gonçalo ficou tão feliz de ser pai, que no dia seguinte foi ao cartório registrar o filho... mas... e agora... não combinei nada sobre o nome do bebê, e pensou... vai se chamar Pedro, que é o nome dos dois avós, paternos e maternos.
Chegando em casa todo alegre contou que tinha registrado o bebê com o nome de Pedro.
Suzana não gostou da história porque tinha feito uma promessa para Nossa Senhora Aparecida que, se seu filho nascesse com vida, teria o nome de Aparecido ou Aparecida, se menina.
Por fim entraram num acordo; passariam a chamá-lo por chamaria Pedro Aparecido por toda a vida e assim a promessa seria cumprida.
No ano de 1914 nasceu uma menina e Gonçalo procurou um nome bem bonito nos almanaques e encontrou... Ubitulina. Assim foi batizada esta menina que, no futuro, para todos nós, seria conhecida como tia Obildes.
Em 1915, Suzana já estava cansada de tanto mudar de cidade em cidade a mando da Força Pública a que o Gonçalo pertencia, e disse: –Tire baixa pois quero que você seja carroceiro igual ao meu pai que, com uma carroça e quatro burros, criou 14 filhos, transportando mercadoria da estação ferroviária para as casas comerciais.
Em 1915, Gonçalo se desligou da Força Pública, comprou uma carroça e os burros e começou a trabalhar na praça de Pirassununga. Suzana começou a ganhar dinheiro recortando uniformes militares que vinham da França para os soldados brasileiros. Os uniformes eram muito compridos, com mangas longas e que precisavam ser encurtados. Suzana, extremamente econômica, usava apenas um palito de fósforo por dia para acender o fogo. À noite, quando escurecia, tirava com uma palha a labareda do “tição” que permanecia ainda aceso e acendia a lamparina de querosene e com isso economizava fósforos. Assim conseguiu pagar a carroça e os burros e comprar uma lenhadora.
Entretanto, em Pirassununga havia muitos carroceiros e o negócio não deu certo.
Em 1917 nasceu outro menino e puseram o nome de Paulo.
A situação financeira estava cada dia pior. Resolveram entrar em sociedade com o cunhado Eduardo (casado com Ana Tralbach ) que tinha um sítio. E mudaram para o sítio.
Em 1919 nasceu uma menina que se chamou Suzana, o mesmo nome da mãe.
Em 1921 nasceu outra menina, que recebeu o nome de Maura.
Gonçalo contava para a Suzana que sua família pernambucana era muito rica e que todos deveriam estar financeiramente bem de vida, mas Suzana não acreditava, achava que ele inventava, que contava muitas histórias, que ela duvidava.
Um dia combinaram de escrever uma carta para os irmãos. Suzana escreveu, porque o Gonçalo não sabia escrever cartas, só sabia ler. E assim, depois de tantos anos, seguia uma carta para Palmares, Pernambuco onde a família morava.
E qual não foi a surpresa quando um dia o correio trouxe varias cartas dos irmãos de Palmares. Eles já tinham perdido as esperanças de encontrar Gonçalo vivo porque, desde a guerra dos Canudos (portanto uns vinte e cinco anos), não haviam tido notícias dele. Pediram para que ele voltasse com a família para Palmares, pois estavam em condições de ajudá-lo financeiramente.
Em 1922 partiram de Pirassununga para Palmares em um navio saindo de Santos com os cinco filhos. Gonçalo vendeu a máquina de costura da Suzana para o cunhado e deu de presente todos os móveis e utensílios da casa, só levando as roupas de uso diário.
Chegando em Palmares procurou os parentes que ainda moravam na cidade. Ficaram hospedados na casa da prima Chiquinha que morava num sobradinho e tinha até piano. Quando os irmãos souberam da chegada do Gonçalo com a família, vieram vê-lo. Um irmão morava em Canhotinho e era prefeito da cidade, outro era “rábula” e morava em Garanhuns (rábula era um advogado que exercia a profissão sem ter diploma e sem ter freqüentado a faculdade, era autodidata.)
Os irmãos cooperaram para que Gonçalo trabalhasse em um mercado vendendo farinha. Quem exercia este ofício, era chamado de “ribeirista”.
A sua maior surpresa foi quando percebeu que os irmãos tinham voltado a assinar o antigo sobrenome da familia, que era Ferreira Leite enquanto ele continuava com Ferreira Barros bem como seus filhos registrados com o seu sobrenome.
Suzana não gostou da mudança de Pirassununga, onde nasceu para viver em Palmares, Pernambuco. Não havia água potável, a água tirada dos poços caseiros era salobra e não havia condições de usá-la. Era necessário comprar água para beber de um ambulante que vinha com um jumento para vender.
As mulheres iam lavar a roupa no rio próximo também onde a criançada ia nadar e tomar banho e isso era o maior divertimento do Aparecido e dos irmãos. Um dia, o Aparecido foi nadar no rio no mesmo local onde estavam depositados tambores de água e quando pulou...bateu com a cabeça no tambor.
Um dia, ele pegou uma jangada e colocou todos os irmãos em cima. Quando estavam chegando do outro lado do rio bateram palmas para a mãe que, achando falta da turma, foi até o rio para saber o que estava acontecendo. Quando retornaram a mãe estava esperando com uma vara.
Quando Suzana ia ao mercado para ver o movimento, catava todas as moedas de prata de $2.000 réis e as guardava escondidas em um embornal, sem que o Gonçalo soubesse, economizando para o futuro.
Um dia Gonçalo decidiu. – Vou-me embora daqui. Vou voltar para o Estado de São Paulo !
Vendeu a mercadoria que tinha e amassou com a botina as medidas de litros que se usava em vez de balança. Juntaram as panelas e as roupas e foram para o Recife.
Chegando ao Recife, Gonçalo procurou um hotel para alojar a família enquanto esperava um navio com destino ao porto de Santos. O hotel onde se alojaram, o Hotel das Cinco Pontes, era de um velho amigo de seu pai. Ficaram a espera do navio por um mês e de repente apareceu um velho navio cargueiro que ia para São Paulo. Nesse navio embarcaram, mas o navio era muito lento, porque os motores estavam falhando. Fizeram uma parada em Salvador, Bahia, para abastecer. Aparecido disse para a mãe que não ia descer, que ficaria no alojamento sozinho. Ele queria ficar para poder dar um mergulho naquele “rio besta”, mas a mãe o agarrou pelo braço e levou-o junto para comerem uma peixada na praia.
Depois de 10 dias de viagem desceram no porto de Santos e seguiram para São Paulo de trem. Chegando em São Paulo, Gonçalo procurou um posto de migração para o interior.
O café estava no auge da produção. Em Promissão, cidade do interior, estavam derrubando a mata virgem para o plantio de cafezal. Gonçalo entrou em contato com os proprietários das terras e seguiu viagem de trem para Promissão, para a Fazenda Floresta. Era o ano de 1924.
Depois do desembarque na estação ferroviária de Promissão, seguiu para a fazenda, onde foram dormir na casa do administrador.
No dia seguinte fomos morar numa casa de barro, as camas eram feitas com quatro forquilhas onde colocavam as varas. Por isso eram chamadas “cama de varas”.
Suzana trouxe de Palmares sacos vazios e com eles fez colchões, enchendo-os com palha de milho seca. Os travesseiros eram cheios de paina seca colhidas das paineiras ou de marcelinha, florezinhas secas da planta.
Moramos nessa casa por pouco tempo. Os vizinhos se tornaram amigos da Suzana e todas as noites eles sentavam na frente das casas para um bate-papo sob a claridade da lua. Logo se tornaram compadres porque batizaram o filho da amiga. Eis os nomes da comadre: Sandri, Vidri, Angeli.
Mudamos depois de alguns meses para uma casa maior, também de barro, Suzana passou cinza na casa por dentro e por fora.
Quando havia alguém em casa com algum problema de saúde, Suzana fazia chazinho de ervas. Os doentes eram sempre curados com êxito e, então, começou uma corrida de mães a procura dos chazinhos que Suzana manipulava. Para dor dos olhos a criançada ia até a casa da Suzana para colocar o colírio e, de vez em quando, ela dava óleo de rícino e salamargo para eliminar os vermes.
Gonçalo e Aparecido, quando clareava o dia, pegavam a enxada e iam para a lavoura capinar o mato que crescia no meio do cafezal. Nas “leiras” do cafezal, isto é, no espaço entre as fileiras de plantas, plantavam quiabo, melancia, abóbora, batatinha, batata doce. Em um terreno separado plantavam arroz e milho. Suzana plantava couve e cebolinha na palha de arroz.
Na mata selvagem colhiam jabuticabas e pitangas, mas havia também animais selvagens, como veado, onça, jaguatirica que não deixavam galinha viva, comiam todas que achavam.
Gonçalo e Suzana resolveram fazer um “girau” onde as galinhas pudessem dormir sem serem molestadas à noite. Colocaram varias latas de banha que vinham do Rio Grande do Sul para os colonos, tiravam os fundos das ditas cujas e enfiaram num tronco de arvore seca e em cima desse tronco colocaram varas para as galinhas pernoitarem. De tarde, ao escurecer, as galinhas subiam por uma escadinha de vara que Gonçalo retirava à noite. Pela manhã, elas voavam para descer. Com isso Suzana e a família tinham também frangos e ovos.
Um dia, Aparecido foi limpar a cova de um pé de café e uma cobra jaracuçu que estava escondida assustou e picou-o no pé. Ele havia aprendido na escola que, quando isso acontecesse, teria que amarrar a perna imediatamente, para que o veneno não subisse para o corpo. Gonçalo pegou um cavalo imediatamente e seguiu para Promissão, atrás de um médico. Graças a Deus ele foi salvo pela providência imediata de amarrar a perna.
Para abastecer a casa, Gonçalo pegava uma carroça e enchia de milho, arroz, feijão, batata e levava para vender na cidade. Na volta, trazia querosene, açúcar, sal e bacalhau. O açúcar vinha em saco para durar bastante. Então, nós tínhamos arroz, batata, milho, feijão, quiabo, melancia, abóbora, couve, mamão que nós comíamos quando caia do pé, sem mesmo lavar as mãos. Em quatro anos ninguém precisou ir ao médico, a única coisa que a gente precisava era ter cuidado com os vermes.
As moedas de $2.000 réis que Suzana guardara, serviram muito para ajudar a abastecer a família, comprando algumas roupas.
Não tínhamos relógio, levantávamos com o sol e deitávamos quando escurecia. Um dia, apareceu um mascate vendendo relógio e Gonçalo comprou um. Foi o primeiro relógio da família.
Aparecido ajudava o pai na roça capinando o mato. Um dia ele apareceu em casa, que ficava distante da lavoura, e pediu para a mãe a espingarda dizendo que o pai mandara buscar. Suzana achou meio estranho, Gonçalo mandar um menino fazer tal pedido, no entanto, concordou, e lá foi o Aparecido com a espingarda nas costas.
Gonçalo ouviu uns tiros perto de onde estava trabalhando, se assustou, foi atrás de onde vinha os tiros e qual não foi sua surpresa em ver que era o seu filho de apenas 14 anos atirando com a arma.
Um dia, veio um fotógrafo para fotografar a fazenda e os cafezais. Gonçalo foi privilegiado, ficou em frente aos lindos pés de café, todo garboso. Quando chegou a vez de tirar fotos dos colonos e familiares em frente à casa da fazenda, todos queriam participar. Pedro, Paulo, Suzana, Ubitulina, Maura apareceram na frente. Mas a dona Suzana disse que não ia se misturar no meio da caboclada.
Era o ano de 1928. Gonçalo vendeu para a firma Camargo Correia os 10.000 pés de café da lavoura, carregados de frutos, no pontinho para a colheita. Com o dinheiro que recebeu mudou-se com a família para Promissão. Entrou em contato com um português, rico fazendeiro, que fornecia “carne no gancho” para vários açougues.
Alugamos uma boa casa junto ao açougue em uma rua comercial. A casa foi mobiliada com tapetes, cadeiras, camas, geladeira resfriada por gelo comprado em barras (porque não existia geladeira elétrica). Compramos um lindo relógio de parede, um “carrilhão” vindo da Suíça, de um vendedor que exercia essa atividade na cidade.
Aparecido comprou uma máquina fotográfica para tirar fotos das meninas. De vez em quando ia se divertir nas cidades vizinhas quando havia quermesse e se alojava num hotel como filho de rico.
A Ubitulina gostava de comprar bijuterias para se embelezar. O Paulo comprou um potro só para ele, o Mimoso que era seu companheiro de lazer.
Suzana e Maura gostavam de pedir dinheiro para o pai para comprar guloseimas, como sorvetes e doces. E assim continuamos como “novos ricos” por algum tempo.
Todas as noites íamos ao cinema para assistir os filmes da época: Carlitos, Tim Mac Coy, Tom Mix, Douglas Fairbanks e os desenhos animados da Disney. Na tela apareciam letreiros para se acompanhar a história do filme e na frente da tela ficava um pianista para fazer a musica ambiental.
Gonçalo tinha uma “frisa” reservada para a família, alugada por mês, com quatro cadeiras, mas o Paulo e o Aparecido preferiam sentar na platéia com os amigos de suas idades.
Toda tarde, quando fechava o açougue, a família reunia-se para contar o dinheiro da “féria do dia” mas ninguém pegava um tostão do dinheiro das gavetas, que permaneciam sempre abertas.
Mas a nossa alegria durou pouco. A mulher do fazendeiro Antônio Ribas, que fornecia carne para o açougue do Gonçalo, começou a vender carne bovina na feira a “dez tostões” ($1.000 réis) o quilo, enquanto que nos açougues a carne era vendida a $1.200 réis.
Gonçalo resolveu procurar uma outra alternativa, onde ele pudesse comprar e vender sua própria carne, ter o seu próprio negócio.
Em 1930 comprou um açougue em Getulina e mudou-se com a família. Começou a comprar gado e porcos dos fazendeiros ao redor da cidade, para vender na cidade com lucro maior.
Paulo, Suzana e Maura foram matriculados na escola primária novamente.
Em 1931, Gonçalo por seu passado militar no exército e na Força Pública, foi escolhido e nomeado sub-delegado em Getulina, porque havia muitos roubos de cavalos, arreios, roupas, tecidos e galinhas das casas comerciais mais distantes da cidade
Com muitas denúncias de roubo, Gonçalo organizou um equipe de soldados em atividade e foi atrás dos ladrões, conseguindo prendê-los. Trouxe-os para Getulina e colocou os presos por alguns dias em uma casa desocupada e abandonada no quintal do açougue. Durante o dia, eles iam prestar depoimento na sala da nossa casa e novamente voltavam para o cárcere improvisado.
O Gonçalo ficou com dó da mulher de um dos prisioneiros, o Bralino, e a trouxe para a nossa casa com seus dois filhinhos. Ficaram alojados na garagem da casa por algum tempo. A Ubitulina escreveu uma carta para os parentes dela que moravam em Ribeirão Preto. Um dia apareceu um irmão dela com um carro e levou-os para junto dos familiares.
Gonçalo e Aparecido saiam a cavalo a procura de gado e porcos nas fazendas ao redor da cidade para comprar.
Certo dia, foram até a fazenda do senhor Inácio Melges para comprar gado. Ele tinha muitos filhos e filhas, uma delas se chamava Albertina. E nesse vai e vem dois olhos se encontraram, os de Aparecido e Tina.
A Ubitulina ia de vez em quando na fazenda e se tornou amiga da Adalbertina.
Uma companhia de teatro estava dando espetáculos no palco do cinema da cidade. A Adalbertina e as irmãs quiseram ver a apresentação e pediram permissão para o pai, que deixou que fossem, mas com a condição que fossem se hospedar na casa de seu irmão Lulu, que morava em Getulina.
Já alojadas na casa do tio Lulu resolveram ir à tarde à casa da Ubitulina, para que fossem juntas para o teatro. Aparecido resolveu fazer-lhes companhia. Foram ao teatro e Aparecido sentou-se em uma cadeira ao lado da Adalbertina.
A Suzaninha que era muito esperta, não parou sentada, começou a circular pela platéia e qual não foi sua surpresa em ver o senhor Inácio na porta, em pé, na entrada, enrolado com um cachecol e chapéu. A Suzaninha contou para a Adalbertina que ficou muito assustada.
Chegando em casa, Ubitulina e o Aparecido contaram para o Gonçalo da aparição do senhor Inácio no teatro. Gonçalo disse para não se preocuparem que na manhã seguinte iria à fazenda do senhor Inácio pedir a mão da Adalbertina para o Aparecido.
No dia seguinte, domingo, as famílias se encontraram para o grande evento. Aparecido e Adalbertina ficaram noivos.
Ubitulina, agora era Obildes, nome que ela adotou por livre escolha quando estava freqüentando a escola primária em Promissão. Ela deixou de usar o nome Ubitulina porque suas companheiras de classe estranhavam um nome tão esquisito. Nesta época, começou a namorar o João Queiróz, que trabalhava em uma tipografia em Promissão.
Em 31 de setembro de 1931, em nossa residência, foi feito o casamento de Obildes e João Queiróz e em 30 de dezembro de 1931 Adalbertina e Aparecido se tornaram marido e mulher.
Como a casa era espaçosa, com três quartos, Aparecido e Adalbertina ficaram morando na mesma casa. O Aparecido tinha 19 anos, trabalhando com o pai, não teria condição de ter uma casa separada, o que acarretaria muita despesa. A Tina gostou, porque em comparação com a casa da fazenda em que morava com vários irmãos e muito serviço, agora ela estava no céu. Mas a madrasta ou Tia Jovita não gostou da observação da Tina e disse : - é ... vida boa tem vida curta. A Tia Jovita não gostou de ficar sem a sua cozinheira e ajudante na cozinha.
No dia 20 de Setembro de 1932 nasceu Custódio, primeiro neto da dona Suzana e Gonçalo, filho de Aparecido e Tina, que foi uma grande alegria para toda a família.
Era o ano de 1932. Revolução Paulista contra a ditadura de Getulio Vargas. Os políticos da cidade divergiam de opiniões. Gonçalo gostava de política, em Promissão ela já fazia parte das reuniões.
Todos os dias reuniam os politiqueiros na porta do açougue e o Gonçalo ficava gesticulando no meio de todos, tomando partido a favor de Getulio.
Nicola Espires era um vizinho do açougue e muito amigo do Gonçalo, até tinha lhe alugado uma casa recém construída, para a família ter uma residência de acordo, mas na política tornaram-se inimigos.
Na manhã de 6 de outubro Gonçalo estava fazendo a costumeira reunião na porta do açougue com seus correligionários. Nicola Espires saiu de sua casa e disse à sua mulher que ia ao barbeiro mas, por segurança, colocou um revolver por baixo da camisa. Passando em frente ao açougue, ouviu Gonçalo comentando no meio dos amigos, que “fulano” era um covarde. Nicola tomou as dores pensando que falava de sua pessoa, ao que Gonçalo retrucou, e partiram para a agressão. Gonçalo saiu correndo e pegou uma faca no açougue, Nicola tirou o revolver debaixo da camisa e atirou no rosto de Gonçalo.
A turma que estava junto na hora da briga correu e Gonçalo caiu no chão morto. Nicola fugiu. De repente chegou um homem na porta da nossa casa e disse: - O Gonçalo está morto na frente do açougue, com um tiro de revolver.
A família toda foi para o local e alí estava estendido na rua o corpo de Gonçalo, sem vida.
Foi um dia muito triste para a família. A Obildes veio com o marido João Queiróz, eles moravam em Bauru.
Nicola recebeu uma facada do Gonçalo no rosto e ficou com um defeito permanente na sua língua. Foi julgado e absolvido por legítima defesa. Ironicamente, soubemos muitos anos depois que ele fora assassinado no Paraná, para onde se mudara.
Dona Suzana estava inconsolável e, em vista disso, Obildes decidiu levá-la para Bauru, para passar uns dias até o trauma diminuir. Depois do enterro, Obildes, João Queiróz, Suzana, Suzaninha e Maura partiram de viagem para Bauru.
Aparecido, Tina, Custódio e Paulo ficaram em Getulina e foram passar uns dias na casa do tio Lulu, não quiseram ficar mais na casa de terríveis lembranças.
Em Bauru, João Queiróz disse à Dona Suzana: - É bom que vocês não voltem mais para Getulina, vou arranjar um meio para que vocês mudem para Bauru. Em novembro a família mudou-se para Bauru.
O Aparecido alugou um açougue e começou a vender carne como sempre fez em companhia do pai. O açougue estava num ponto comercial muito bom, mas o Aparecido com muita boa fé, pensando que o povo de Bauru era da mesma índole do povo de Getulina, vendia muito a fiado e fornecia carne também para outro açougue. Quando percebeu, já estava difícil a situação. O dinheiro que seu pai deixara com a venda do açougue, cavalos, gado, porcos, estava diminuindo. Foi atrás dos devedores, mas muitos deram o calote e não pagaram as dívidas.
Ele havia feito um contrato com o dono do prédio por dois anos; se ele não cumprisse os dois anos, perderia os dois contos de réis que tinha dado como garantia O jeito foi desistir do negócio e perder os “dois contos de réis”.
Diante dessa situação financeira todos chegou a uma conclusão: - Vamos voltar para Promissão, onde meu pai ganhou muito dinheiro.
Em 1933 mudamos para Promissão. Paulo começou a trabalhar como açougueiro recebendo carne no gancho. Aparecido foi trabalhar como capataz do fazendeiro José Ribas. Depois de algum tempo, resolveu não mais trabalhar para o Ribas e começou a comprar cavalos, carneiros que encontrasse pelas redondezas da cidade e depois vendê-los, mas havia poucos compradores... então decidiu matar os carneiros e vendê-los na “bistonta”na feira (bistonta era o preço que o comprador oferecia).
Em 1937 nasceu o segundo filho de Aparecido e Tina e resolveram dar ao filho o nome do avô, Gonçalo.
Aparecido desistiu de comprar e vender, porque não produziu o desejado. Resolveu ir trabalhar em uma fazenda próxima da cidade, como retireiro, mudou-se para a fazenda com a mulher e os dois filhos e vinha todos os dias vender o leite na cidade em uma carrocinha puxada por dois burros.
Dona Suzana, para ajudar nas despesas, fazia lingüiça com a carne que sobrava do açougue e nas horas vagas fazia flores para vender. Escolhia café para uma máquina de despolpar café de uma amiga.
O senhor Inácio Melges, pai da Adalbertina, estava muito doente. Aparecido, Tina e os dois filhos foram para a fazenda onde ele morava e ficaram por algum tempo, juntamente com os irmãos , até que um dia o senhor Inácio descansou.
A fazenda de 100 alqueires de terra estava hipotecada para o advogado Jeferson que cuidava das finanças do senhor Inácio. Os herdeiros venderam a propriedade para o advogado e este acertou a dívida e sobrou uma boa parte para os herdeiros. A fazenda tinha 100 alqueires de terra com uma linda casa estilo antigo, assobradada, com escada e uma enorme varanda, com dois pés de “primavera” embelezando a entrada.
João e Obildes moravam em Bauru e freqüentavam a Igreja Evangélica Presbiteriana e convidaram dona Suzana para se mudar de Promissão para Bauru. Conseguiram com o pastor da igreja para que ela trabalhasse como zeladora da igreja e como pagamento ela recebia casa, luz e água.
Em 1935 mudamos para Bauru: Suzana, Suzaninha, Paulo e Maura, para a casinha do quintal da Igreja Presbiteriana. Desde então a família Ferreira Barros se separou para rumos diferentes.
Maura
Novembro /2002